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Indução, o que não te contaram

A indução do parto trata-se de um procedimento que carece de contextualização clínica, onde o risco de induzir supera o benefício de manter a gravidez. 

É prática frequente em Portugal, começar a ser falada pelos obstetras quando se aproximam as 40 semanas de gestação. Há muitas mulheres que sentem mesmo uma pressão gigante, como se uma bomba relógio fosse rebentar. Esse stress em nada favorece o início espontâneo do trabalho de parto. Na realidade, em gravidez de baixo risco, a indução deverá ser considerada após as 41 semanas e não antes. Em gestações com algum grau de risco a indução poderá ser ponderada antes, se o benefício para a mulher e o bebé forem superiores do que a espera. 


Num ensaio clínico randomizado (o ensaio ARRIVE, com elevado nível de evidência) foram avaliadas as consequências da indução às 39s+0 até às 39s+4d vs esperar pelo início espontâneo em 6100 grávidas de 1º filho e de baixo risco nos EUA. A indução traduziu-se em menos cesarianas (19 vs 22%), menos complicações relacionadas com hipertensão na gravidez (9 vs 14%), menos reanimações dos bebés ao nascer (3 vs 4%), resultados semelhantes de morte perinatal ou complicações neonatais graves (4 vs 5%), maior tempo de permanência no bloco de partos ( 20 vs 14%), menos consultas e exames pré-parto e os custos são equivalentes. Contudo, este estudo não considerou que: as mulheres consideram a sua experiência de parto induzido menos satisfatória, o seu tempo de internamento é maior, o que aumenta também o número de intervenções pelos profissionais. A monitorização fetal com ctg é mais apertada, o que diminui a mobilidade da mulher. As contracções da indução são muito diferentes das fisiológicas. Não vêm em ondas e a dor não zera quando a contracção passa. As contracções são muito próximas, sendo a experiência muito mais dolorosa, implicando um controlo da dor com analgesia mais precoce e mais frequente. A epidural é pedida muitas vezes precocemente, com as consequências que sabemos que pode ter na progressão do trabalho de parto. A fadiga da mulher é muitas vezes maior, pelo tempo de internamento e pelo processo em si. E embora nos estudos a indução não esteja diretamente associada a uma maior taxa de cesarianas, a realidade que observamos é que é um desfecho frequente. Especialmente no privado, em que não é dado tempo à mulher e que ao fim de 12 horas lhe dizem que a indução falhou e que ela não dilatou. É preciso esperar. É preciso dar tempo. É preciso que a mulher acima de tudo saiba como o processo vai ser para as suas expectativas não sabotarem depois o seu trabalho de parto. 


Não se trata, portanto, de uma “escolha” porque a mulher está cansada, nem deve ser apontada como uma medida de conforto para a mulher, apontando apenas o final da gravidez como argumento, ocultando tudo o resto, para que possa ser de facto, uma escolha informada.


A indução é como se fossemos pôr um carro a “pegar de empurrão”, estimulando o início do trabalho de parto. Existem métodos mecânicos e métodos químicos. Os mecânicos devem ser sempre a primeira escolha, uma vez que têm menos contra indicações, contudo, cada vez mais tem sido indicada nos serviços a indisponibilidade deste método, por inexperiência do pessoal médico. Em equipas transdisciplinares, este método pode ser extremamente interessante.


Métodos:

  • Sonda de Foley - é uma indução mecânica. É habitual ser a primeira proposta de forma de indução. Um balão é colocado entre o colo do útero e a bolsa de águas com 60 mL de água. Pode ser iniciada sem ser em internamento, sendo bastante segura.

  • Rotura de Membranas - é também uma indução e pode ser sugerida antes do início do trabalho de parto ou já intraparto. Embora um pouco desconfortável, é um método seguro e eficaz, pois promove a libertação de prostaglandinas, hormonas que ajudam a maturar o colo do útero e às vezes acaba desencadeando as contracções. Consiste num exame de toque e de uma massagem no colo do útero, que acaba descolando a parte da bolsa que esta em contacto com o colo.

  • Misoprostol - é um análogo sintético das prostaglandinas e vai favorecer o amolecimento do colo e estimular a contraccção uterina. Não pode ser utilizado com uma cesariana anterior, pois aumenta o risco de rotura uterina.

  • Oxitocina sintética - tem um efeito semelhante ao anterior mas sem efeitos no colo, apenas na contraccção do útero. A sua administração aumenta o risco de hemorragia no pós-parto e não também não deverá ser utilizado com uma cesariana prévia.

  • Prostaglandinas - colocadas diretamente sobre o colo com o objetivo de o amolecer. Também não está indicado com uma cesariana anterior.



Não queremos aqui entrar em extensos pormenores médicos em relação a cada um dos métodos, mas dar-te a informação básica que te ajude a perceber o que será melhor para e para o teu bebé. 



O parto é um evento que combina trabalho mecânico e trabalho hormonal. Numa indução química, na maioria das vezes a mecânica é abandonada, deixando apenas o trabalho químico que pode ser massacrante. O nosso corpo produz as hormonas certas e havendo uma gravidez saudável, o corpo também se adapta mecanicamente ao evento do parto. 

Quando falamos em trabalho hormonal não estamos necessariamente a falar em químicos, mas podemos falar das hormonas da própria mulher, que em ambiente respeitado e tranquilo, são estimuladas mais facilmente.


O conhecimento está a ser substituído por intervenções, que no final de contas, acabam sempre por trazer complicações ao bebé e à mulher. O parto não é um evento onde se possa desassociar a mulher do resultado. Quando a indução falha, o caminho é a cesariana, o que culmina com muita frustração em cima do cansaço - às vezes de 72h a tentar.


Daqui, normaliza-se o sofrimento do parto; a noção de que o parto é um evento violento, sofrível, com dor e inútil. É difundida a ideia de que a cesariana é mais fácil, como uma ponte para um resultado, onde não se passa por humilhações, escrutínio (sucessivos toques vaginais e “mexidas” no colo da mulher), dor, cansaço e frustração. A cesariana é considerada um evento previsível, limpo, pacífico. 


A indução (mesmo que intra parto) não reflecte a fisiologia do parir. Reflete o excesso de intervenções, assim como a sua normalização por calendário, desumanizando o acto de parir, e colocando-o num patamar de dor, sofrimento e perda de dignidade. 

Um parto espontâneo traz esforço, “trabalho” como está no nome, cansaço. Mas sendo fisiológico e estando a mulher num ambiente amoroso e respeitado, sereno e onde se sente em controlo da situação, em oposição à perda de controlo de uma indução, deixando a mecânica e a componente hormonal fazerem a sua dança, é um evento empoderador. Como o é a preparação para uma maratona que culmina no pisar da meta; é cansativo, exige trabalho, pode ser até doloroso, mas empodera!


Portanto, induzir - mesmo que intraparto - não é inócuo. Muitas vezes falha e a falha não é do teu corpo. É do método!.  

A indução exige monitorização, exige analgesia, exige vigilância apertada das dinâmicas do bebé e da mãe, exige escrutínio corporal, muitas vezes num ambiente onde a mulher não compreende a linguagem e se sente perdida. Onde “meias-verdades” são ditas para conduzir a opção da mulher no sentido que convém à equipa e não à mulher. Exige - quando contextualizada - um acompanhamento honesto, presente, amoroso, compreensivo e transparente. Exige a verdade, a explicação de alternativas e a disponibilização dessas alternativas no serviço. Exige maleabilidade para encontrar um caminho satisfatório para a mulher. Exige a verdade e a gestão das expectativas. Por favor; parem de vender a indução como uma via para “terminar a chatice da gravidez”, como se fosse um processo mágico e sereno. Até pode acontecer - normalmente nos casos em que o corpo já estaria próximo de parir). Pode até haver necessidade urgente de  utilizar, e por isso a verdade é fundamental, para não recair desconfiança sob a sua recomendação. Apontar induções por questão de agenda e “chapa 5”, tira-lhe a verdade e retira confiança no sistema. Pode haver necessidade de indução? Absolutamente. E exactamente por isso, não pode nunca ser vendida “a la carte”. 



 
 
 

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